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POSSIVEL INFLUÊNCIA DO AQUECIMENTO GLOBAL NA OCORRÊNCIA DE GEADAS

 

Gabriel Constantino Blain

 

 

INTRODUÇÃO

Dentre todas as possíveis conseqüências associadas ao aquecimento global, à redução da freqüência de ocorrência de eventos de geada, talvez seja um dos poucos, ou até mesmo o único, fenômeno benéfico ao setor agrícola associado a essa alteração nos padrões climáticos globais.

Sob esse aspecto, ao analisar a variabilidade temporal de séries históricas de precipitação pluvial (PRE), temperatura mínima do ar (Tmin; menor valor de temperatura observado ao longo de um dia) e temperatura máxima do ar (Tmax; maior valor de temperatura observado ao longo de um dia) do Estado de São Paulo, Blain et al. (2009) e Blain (2011) afirmam que os maiores indícios de alterações de ordem climática são observados por meio das elevações associados aos dados de Tmin observados ao longo dos últimos 60 anos. Em adição, ressalta-se que Blain et al. (2009) indica que nos últimos 100 anos na localidade de Campinas, SP houve elevação de aproximadamente 2,5ºC nos valores anuais na Tmin. 

Além dessas observações específicas para o clima do Estado de São Paulo, o relatório do IPCC (2007) indica que a intensidade e a freqüência dos eventos meteorológicos extremos, tais como a geada, irão sofrer alterações causadas por um clima global mais quente. Nesse aspecto, de acordo com Vincent et al. (2005) a análise da temperatura noturna do ar, ao longo dos anos de 1960 a 2000 na América do Sul, descreve fortes indícios de elevações nessa variável atmosférica.

De acordo com as observações de Blain et al. (2009), Blain (2011), IPCC (2007) e Vincent et al. (2005), torna-se possível propor a hipótese de presença de tendências climáticas de elevação nos valores extremos da temperatura mínima do ar de Campinas (Tminabs; menor valor de temperatura observado ao longo de um ano em abrigo meteorológico). Com base nessa hipótese, o presente trabalho buscou, para a localidade de Campinas, estimar a probabilidade de ocorrência de valores de Tminabs, sob condições de aquecimento, entre os anos de 2020 a 2050.

Desenvolvimento do modelo probabilístico

Foram utilizados dados anuais de temperatura mínima extrema do ar, pertencentes ao Instituto Agronômico (IAC/APTA/SAA-SP; Campinas 1890 a 2010; 22º54’S; 47º05’W; 669m). Os dados são apresentados na Figura 1.

Figura 1. Dados anuais de temperatura mínima extrema do ar, pertencentes ao Instituto Agronômico (IAC/APTA/SAA-SP; Campinas 1890 a 2010).

 

A análise visual da Figura 1 corrobora a hipótese de presença de significativas tendências de elevação na série de Tminabs de Campinas, justificando a necessidade de incorporar a presença de alterações de ordem climática na modelagem da probabilidade de ocorrência associada a esse elemento meteorológico.

O modelo proposto é baseado na distribuição geral dos valores extremos (GEV) com parâmetros estimados em função da co-variável tempo (t). A estimação dos mesmos foi baseada no método da máxima verossimilhança conforme Coles (2001). No presente estudo, a solução desse método foi obtida maximizando-se a seguinte função verossimilhança (equação 1).

Em que µ, δ e α são os parâmetros do modelo probabilístico.

 

Validação do modelo

O gráfico quantil-quantil é utilizado por Coles (2001), Felici et al. (2007) e Mendéz et al. (2007) como método auxiliar para validação de modelos similares ao utilizado no presente estudo. De forma bastante simplista, esse tipo de gráfico compara os valores observados (o) de Tminabs aos valores estimados pelo modelo GEV (e). Para o caso teórico de um modelo perfeito, os 121 pontos cartesianas formados pelos pares (o,e) recairiam sobre a diagonal 1:1 (Figura 2). Embora esse quadro conceitual/perfeito seja, evidentemente, improvável, nota-se que quanto menor o desvio dos pares (o,e) em relação à reta 1:1, melhor será o desempenho do modelo proposto. 

Figura 2. Validação do modelo proposto para descrição probabilística de dados anuais de temperatura mínima extrema do ar (IAC/APTA/SAA-SP; Campinas 1890 a 2010). Eixos na escala Gumbel.

 

A solução da equação 1 resulta em um modelo GEV que ajusta-se adequadamente aos dados observados na localidade de Campinas entre os anos de 1890 e 2010 (Figura 2). Essa desejável característica permitiu a utilização do modelo proposto para a projeção de um possível quadro probabilístico da ocorrência de valores de Tminabs ao longo dos anos de 2020 a 2050.

Considerações finais

Na Figura 3 são ilustradas a variação temporal das probabilidades de ocorrência de diversos valores de Tminabs para as décadas de 2020 a 2050 (utilizando-se com base o ano central de cada período decadal). Para maiores informações relativas à ocorrência de geadas agronômicas e valores de Tminabs, veja Sentelhas et al. (1995).

 

Figura 3. Variação temporal da probabilidade de ocorrência associada à valores de temperatura mínima do ar com potencial de causar danos agrícolas

 

Com base na Figura 1, nota-se que o modelo proposto indica redução no risco de danos agrícolas associados ao evento geada, uma vez que a probabilidade de ocorrência associada, em especial, à valores inferiores à 3, 2 e 1ºC, decresce ao longo dos anos 2020 a 2050. Sob esse aspecto, é interessante ressaltar que o período compreendido entre 2001 e 2010 é o primeiro intervalo de 10 anos (desde 1890) em que nenhum valor de Tminabs inferior à 3ºC foi observado (Figuras 1 e 4). Antes desse período decadal, os maiores intervalos de tempo (anos consecutivos) em que nenhum valor inferior à 3ºC havia sido observado ocorreram entre 1934-1941 e entre 1944-1950 (ambos com oito anos). 

Figura 4. Anos em que a temperatura mínima extrema do ar atingiu valores inferiores à 3ºC - (IAC/APTA/SAA-SP; Campinas 1890 a 2010).

 

Os resultados projetados pelo presente modelo, as observações meteorológicas registradas ao longo dos últimos 120 anos, bem como os trabalhos de Blain et al. (2009) e Blain (2011), indicam a presença de importantes alterações climáticas na localidade de Campinas. Essa mudança nas medidas estatísticas da série histórica sob analise aponta para uma redução do risco de geada associado à transição para um clima regional com temperaturas noturnas mais elevadas. 

Referências

BLAIN, G.C.; PICOLI, M.C.A.; LULU, J. Análise estatística das tendências de elevação nas séries anuais de temperatura mínima do ar no estado de São Paulo. Bragantia, v.68, p.807-815, 2009.

BLAIN, G.C. Considerações estatísticas relativas a seis séries mensais de temperatura do ar da secretaria de agricultura e abastecimento do Estado de São Paulo Revista Brasileira de Meteorologia, v.26, n.2, (prelo), 2011

COLES, S. An introduction to statistical modeling of extreme value, London: Springer 2001

FELICI, M.; LUCARINI, V.; SPERANZA, A.; VITOLO, R. extreme Value Statistics of the Total Energy in an Intermediate-Complexity Model of the Midlatitude Atmospheric Jet. Part II: Trend Detection and Assessment, Journal of the Atmospheric Science, v.64, p.2159-2175, 2007 

IPCC.  Climate Change 2007: The Physical Science Basis, Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change, HOUGHTON, JT, (Ed,), Cambridge University Press, 2007.

MÉNDEZ, F.J.; MENÉNDEZ, M.; LUCEÑO, A.; LOSADA, I.J. Analyzing Monthly Extreme Sea Levels with a Time-Dependent GEV Model. Journal of Atmospheric and Oceanic Technoogy. v.24, p.894–911, 2007

SENTELHAS, P.C.; ORTOLANI, A.A.; PEZZOPANE, J.R.M. Estimativa da temperatura mínima de relva e da diferença de temperatura entre o abrigo e a relva em noites de geada. Bragantia, v.54, p.437-445, 1995.

VINCENT, L.A.; PETERSON, T.C.; BARROS, V.R.; MARINO, M.B.; RUSTICUCCI, M.; CARRASCO, G.; RAMIREZ, E.; ALVES, L.M.; AMBRIZZI, T.; BERLATO, M.A.; GRIMM, A.M.; MARENGO, J.A.; MOLION. L.; MONCUNILL, D.F.; REBELLO, E.; ANUNCIAÇÃO, Y.M.T.; QUINTANA, J.; SANTOS, J.L.; BAEZ, J.; CORONEL, G.; GARCIA, J.; TREBEJO, I.; BIDEGAIN, M.; HAYLOCK, M.R.; KAROLY, D. Observed trends in indices of daily temperature extremes in South America 1960-2000. Journal of Climate, v.18, p.5011-5023, 2005.


Gabriel Constantino Blain possui graduação em Engenharia Agrícola pela Universidade Estadual de Campinas (2001), mestrado em Agricultura Tropical e Subtropical pelo Instituto Agronômico de Campinas (2005) e doutorado (2010) pela Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) em agronomia com área de concentração em física do ambiente agrícola. Atualmente é pesquisador científico do Instituto Agronômico de Campinas. Tem experiência na área de estatística climatológica, com ênfase em Agrometeorologia, atuando principalmente nos seguintes temas: seca, variabilidade climática, risco de plantio, agroclimatologia e recursos hídricos.

Contato: gabriel@iac.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

BLAIN, G.C. Possivel influência do aquecimento global na ocorrência de geadas. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_2/AquecimentoGlobal/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 13/04/2011