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Horticultura Sustentável - Parte I

                                                                                                      

Paulo Espíndola Trani1
Sebastião Wilson Tivelli2
Francisco Antonio Passos1

Introdução

         A horticultura convencional adota tecnologias calcadas no imediatismo que embora proporcionem lucros ao produtor rural a curto prazo, poderão acarretar danos ao meio ambiente e às gerações futuras no médio e longo prazos.

      As práticas adotadas convencionalmente para o manejo e produção de hortaliças no Estado de São Paulo utilizam de maneira intensiva e desequilibrada fertilizantes minerais e defensivos (agrotóxicos), muitas vezes sem os cuidados recomendados pelas próprias empresas produtoras dos insumos. Além disso, o preparo do solo anteriormente ao plantio através da aração e da gradagem, poderá sujeitá-lo à erosão, se não forem adotadas práticas conservacionistas. A captação e a distribuição de água para as lavouras também é outro motivo de preocupação pois muitas vezes são realizadas de maneira inadequada. Frequentemente se observa o uso da água de irrigação em quantidades excessivas acarretando a disseminação de doenças de solo tais como o mofo branco, cujo agente causal é o fungo Sclerotium, além de bacterioses e nematóides. É ainda frequente na horticultura convencional o sistema da monocultura com sucessivos plantios de hortaliças da mesma espécie em uma mesma área. Isso, embora seja comercialmente melhor para o produtor, tem causado desequilíbrios diversos para o solo e para as próprias espécies plantadas, pois as predispõe a incidência de pragas e doenças em maior escala.

Horticultura sustentável

A agricultura sustentável, incluindo a horticultura, consiste em um sistema integrado de práticas de cultivo e criação animal com aplicação local específica que, no longo prazo suprirá as necessidades humanas de alimentos e fibras, melhorará a qualidade do meio ambiente e a base dos recursos naturais da qual depende a economia agrícola, fará uso mais eficiente dos recursos não renováveis e integrará, quando apropriado, ciclos e controles biológicos naturais; sustentará ainda a viabilidade econômica  das explorações agrícolas e elevará a qualidade de vida dos agricultores e da sociedade como um todo. Esta definição clássica, da década de 90 (Programa LISA), mostra a importância em se procurar o equilíbrio entre a produção com lucro, a preservação do meio ambiente e a saúde humana,  tanto do produtor como do consumidor de hortaliças (entre outras culturas).

 

É interessante verificar a definição do que NÃO é agricultura sustentável segundo o USDA, 1990: a) Uma ruptura com a agricultura moderna; b) outro nome para a agricultura orgânica; c) apenas para as pequenas propriedades; d) apenas para as propriedades com criações de animais domésticos; e) um passo para o passado; f) uma panacéia para todos os problemas ambientais; g) uma solução para todos os problemas econômicos da produção agrícola.

 

Resumidamente pode-se definir horticultura sustentável como o conjunto de práticas  agrícolas que melhorem a produtividade e a qualidade das culturas garantindo ainda a preservação do  meio ambiente. Citam-se como práticas agrícolas e técnicas de cultivo no sistema de produção sustentável o seguinte: maior utilização de adubos orgânicos, compostos e organo-minerais, produção de mudas com qualidade, cultivo protegido, adoção de práticas conservacionistas, plantio direto, adubação verde, rotação de culturas, plantio na época adequada, manejo correto da água de irrigação, nutrição correta das culturas, controle alternativo (especialmente cultural e biológico) de pragas e doenças e manejo correto da colheita e da pós-colheita.

 

Implantação da Horticultura sustentável

Dentre os fatores a serem levados em consideração no planejamento para implantação de um sistema sustentável de produção de hortaliças destaca-se o diagnóstico  do local a ser cultivado, devendo-se adotar os seguintes passos:

a) Identificação da vegetação anterior ou atual do local de cultivo. Por exemplo, plantas como barba de bode, indaiá, sapé e  samambaia indicam acidez do solo.

b) Identificação das culturas anteriores: caso o local já tenha sido explorado comercialmente obter o histórico do mesmo quanto às espécies cultivadas anteriormente e quais as produtividades obtidas. O mesmo se aplica para a criação animal.

c) Solo: realizar análise química e física do solo para determinação da sua fertilidade e o cálculo da calagem e adubação necessárias.

d) Clima: obter dados meteorológicos da região principalmente as temperaturas e pluviosidade (chuva) de todos os meses do ano. Levantar as médias climáticas, se possível dos últimos 10 a 20 anos. Isso contribuirá para a escolha das espécies e cultivares de hortaliças mais adaptadas ao clima local.

  e) Conservação do solo: verificar quais são as práticas conservacionistas adotadas pelo produtor (plantio em nível, terraceamento, canais escoadouros, etc.). Identificar problemas como erosão, compactação, drenagem deficiente, etc.

  f) Disponibilidade de água: verificar os sistemas utilizados pelo produtor na captação de água, sua qualidade e estimar a quantidade necessária para irrigação das hortaliças e outras culturas a serem instaladas na propriedade.

   g) Comercialização: identificar os possíveis compradores e os locais de venda, o que contribuirá para a decisão das espécies de hortaliças a serem produzidas. Realizar levantamentos de preços e quantidades comercializadas de hortaliças junto ao Instituto de Economia Agrícola, Centrais de Abastecimento e Varejões das grandes e médias cidades.

 

             Razões para a priorização do ensino, pesquisa e assistência técnica em horticultura sustentável

a) Demanda por alimentos saudáveis.

b) Aumento (em anos recentes) nos custos dos defensivos/agrotóxicos e fertilizantes convencionais.

c) Necessidade da preservação do meio ambiente, incluindo os recursos naturais renováveis

d) Crescente disponibilidade de técnicas e práticas em sistemas de produção sustentável.

 

Limitações atuais para a expansão do cultivo sustentável de hortaliças e outras culturas

a) Existe no comércio reduzida disponibilidade de inseticidas, fungicidas e bactericidas biológicos para controle de pragas e doenças das hortaliças.

b) As recentes legislações oficiais sobre agricultura orgânica, ecológica e sustentável ainda são pouco divulgadas.

c) As instituições oficiais de pesquisa possuem número reduzido de profissionais especialistas nas áreas de agricultura ecológica, agricultura orgânica e agricultura sustentável.

 

     Início dos problemas com a agricultura convencional em SP

 

A ocorrência de sérios problemas de erosão em regiões do oeste paulista nas décadas de 70 e 80, conforme as fotos a seguir, estão mostrando a necessidade da adoção de um novo sistema de manejo do solo, dentro dos princípios da agricultura sustentável.


Estrada para o Pontal do Paranapanema.
Foto: Paulo E. Trani (1985).

 

Erosão na gleba XV de Novembro (município de Teodoro Sampaio) em local com plantio de milho.
Foto: Miguel Dias Batista (CATI- Presidente Prudente-1985).

 

 

Erosão após chuva, em local onde não foram adotadas práticas conservacionistas,  reduzindo o “stand” e a colheita de milho. Foto: Miguel Dias Batista (CATI- Presidente Prudente-1985).

 

 

 

Voçoroca em áreas inicialmente cobertas com pastagem no Pontal do Paranapanema.
Foto: Paulo E. Trani -1985.

 

 

 

Erosão laminar e em sulcos em local próximo a Santa Bárbara do Oeste, SP, anterior ao plantio de cana de açúcar, na década de 80.
Foto: Paulo E. Trani.

 

 

 

Erosão causada pelo uso de rotativa para controle de mato em cafeeiros (Osvaldo Cruz-SP).
Foto: Paulo E. Trani, 1978.

 

Os problemas com erosão ainda ocorrem! 

Embora tenha ocorrido progresso no emprego de práticas conservacionistas em diversas regiões do Estado de São Paulo, ainda existe um longo caminho a percorrer quanto ao combate à erosão, especialmente nas estradas rurais municipais. As fotos a seguir mostram tal situação na área rural de Campinas, desde 2005 até a atualidade.

 
Perigosa vala de erosão em estrada rural municipal, em 2005, em Campinas (Distritos de Sousas e Joaquim Egídio). Aqui, os sangradouros estão na margem esquerda da estrada, todos fechados, e a água vem correndo por 500m na própria estrada.
Foto: Sociedade Santa Maria da Serra das Cabras – Campinas, 2006

 

Problemas no controle de erosão na APA do Distrito de Sousas / Joaquim Egídio, Campinas-SP. Aspecto de estrada anteriormente “regularizada” com motoniveladora, porém o sangradouro (à direita) permaneceu entupido, cheio de areia, mantendo as águas nas estradas
Foto: Sociedade Santa Maria da Serra das Cabras – Campinas, 2006

 

Trecho final da estrada, com toda a infraestrutura de drenagem, mas por falta de manutenção e planejamento  as águas correm pelo centro da estrada, ficando as sarjetas e as galerias sem utilidade.
Foto: Sociedade Santa Maria da Serra das Cabras – Campinas, 2006

 

Reservatórios de água limpa que no período das chuvas tornam-se lagos de lama por receberem as enxurradas das estradas erodidas.
Foto:
Sociedade Santa Maria da Serra das Cabras – Campinas, 2006

Veja aqui a parte II
Veja aqui a parte III

Agradecimentos

         Os autores agradecem a André Luis Trani e Pedro L. G. Abramides pelo incentivo, correções, sugestões, digitação e editoração deste trabalho técnico- científico.

Literatura Consultada

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Paulo Espíndola Trani possui mestrado em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo (1980) e doutorado em Agronomia pela Universidade de São Paulo (1995) . Atualmente é Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas. Tem experiência na área de Agronomia , com ênfase em Fitotecnia. Atuando principalmente nos seguintes temas: Daucus carota, Lactuca sativa, Calagem, rotação de cultura, efeito residual de calcário e alface e cenoura. Contato: petrani@iac.sp.gov.br
   
Sebastião Wilson Tivelli possui graduação em Engenharia Agronômica pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1986), mestrado em Fitotecnia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1994), mestrado em Master Of Business Administration - Butler University (2002) e doutorado em Horticultura pela Faculdade de Ciências Agronômicas (1999). Atualmente é Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Horticultura Sustentável, atuando principalmente nos seguintes temas: hortaliças, sistemas de produção agroecológicos (olericultura orgânica e produção integrada) e hortas urbanas e periurbanas.
Contato:
tivelli@iac.sp.gov.br
   
Francisco Antonio Passos possui graduação em Engenharia Agronômica (1973), mestrado em Genética e Melhoramento de Plantas (1983) e doutorado em Fitotecnia (1997), pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo. É Pesquisador Científico do Centro de Horticultura, do Instituto Agronômico de Campinas. Atua  nas áreas de melhoramento genético, recursos genéticos e fitotecnia de hortaliças.
Contato: fapassos@iac.sp.gov.br


Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

TRANI, P.E.; TIVELLI, S.W.; PASSOS, F.A.  Horticultura Sustentável - Parte I. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_3/HorticulturaSustentavel1/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 07/09/2010