Agrossilvicultura

Giovana Beatriz Theodoro Marto
Luiz Ernesto George Barrichelo
Paulo Henrique Müller da Silva

Sistemas agroflorestais (SAF’s) podem ser definidos como a combinação de cultivos de essências florestais com culturas agrícolas anuais (RODIGHERI & GRAÇA, 1996) ou pastagem, de maneira simultânea ou seqüencial (ALVIM et all, 2005). Os SAF’s podem variar tanto em sua estrutura e função, como em suas condições sócio-econômicas e ecológicas. Quanto a estrutura esta pode variar sua composição (árvores, plantas herbáceas, animais), o arranjo espacial do componente arbóreo (densidade e distribuição das plantas), a estratificação vertical e o arranjo temporal dos componentes. No que se refere a função, esta pode ser desde a produção de bens (madeira, fruto, semente, forragem, lenha, etc.) como a de serviços a outras espécies ou ao sistema como um todo (quebra-ventos, cercas-vivas, conservação do solo). O âmbito sócio – econômico varia de acordo com o nível de utilização de insumos no manejo, intensidade ou escala do manejo e os objetivos comerciais (AMBIENTE BRASIL,2006).

Suas bases fundamentam-se na silvicultura (estudo e exploração de florestas), agricultura, zootecnia, no manejo do solo e em outras disciplinas ligadas ao uso da terra. Seus objetivos são: produção de alimento, de produtos florestais madeireiros e não madeireiros (móveis e medicamentos), produção de matéria orgânica, melhoria da paisagem, incremento da diversidade genética, conservação ambiental, formação de cercas-vivas, quebra-ventos e sombra para criação animal (MMA, 2004). Ainda de acordo com o Ministério, a agrossilvicultura inclui o conhecimento e uso de práticas agroflorestais que difere de um sistema agropecuário por ter um componente lenhoso e perene que ocupam papel fundamental na sua estrutura e função; e são usados deliberadamente na mesma unidade de manejo da terra com cultivares agrícolas e/ou animais em alguma forma de arranjo espacial e seqüência temporal.

O sistema agroflorestal ou agrossilvicultural apresenta grandes vantagens em relação aos sistemas convencionais de uso da terra, pois permite maior diversidade e sustentabilidade. Do ponto de vista ecológico, a coexistência de mais de uma espécie numa mesma área permite uma melhor utilização da água e dos nutrientes. A ciclagem dos nutrientes tende a ser mais rápida e os nutrientes são melhor aproveitados pelas culturas intercalares. Do ponto de vista agronômico, deve-se levar em conta as demandas que as árvores e as culturas agrícolas detêm em termos de espaço, nutrientes e água e é necessário que se façam os cálculos de como as árvores poderiam interferir na produção agrícola. A partir dos resultados desses cálculos pode-se avaliar se o consórcio das duas espécies produz mais do que seria obtido se as duas espécies fossem cultivadas separadamente (SILVA, 2004).

De acordo com HUXLEY (1983) citado por RODIGHERI & GRAÇA (1996), as espécies arbóreas, a serem utilizadas em sistemas agroflorestais, devem ter características como adaptação a solos com problemas de fertilidade, boa produtividade, capacidade de rebrota e resistência a podas e pastejo, resistência a doenças. Segundo os autores, nesse contexto, diversas espécies do gênero Eucalyptus apresentam grande potencial para serem utilizadas em sistemas agroflorestais principalmente em áreas de cerrado onde essas espécies tiveram uma boa adaptação. GONÇALVES (2002) afirma que mesmo os sistemas agroflorestais modernos, tendo incorporado diversas espécies exóticas ao ecossistema original, mantêm os padrões básicos de diversidade e complexidade.

O uso de espécies de eucalipto em sistemas agroflorestais já vem sendo feito há algum tempo. Em vários países, buscam-se programas de reflorestamento social, nos quais o eucalipto está sendo utilizado extensivamente em plantios em pequenas propriedades rurais. No Brasil, uma experiência bem sucedida é o programa adotado pela Fazenda Bom Sucesso da Companhia Mineira de Metais, no município de Vazante, localizada em pleno Cerrado, na região Noroeste do Estado de Minas Gerais, quase na fronteira com o estado de Goiás a, aproximadamente, 200 Km de Brasília. Tal experiência tem motivado uma verdadeira peregrinação de pesquisadores e empresários, e é apontada como uma inovação e revolução aos conceitos silviculturais que se tem praticado convencionalmente nas empresas florestais (SILVA, 2004).

Segundo RIBASKI (2003), para que se tenha sucesso nesse empreendimento, precisa-se considerar o espaçamento da espécie florestal. Nesses sistemas normalmente são usadas menores densidades de plantio e diferentes arranjos espaciais das espécies florestais em campo. Práticas de manejo em eucalipto, caracterizadas por espaçamentos iniciais largos, desbastes precoces e pesados e podas altas, revelam-se superiores aos tradicionais, com a produção de madeira de boa qualidade, com bons resultados econômicos. Além disso, permitem a penetração de altos níveis de radiação no sub-bosque, o que, por sua vez, favorece o desenvolvimento satisfatório de outras espécies, também com valor econômico, associadas. (RIBASKI, 2003).

Se a consorciação com leguminosas for cabível por vários anos, devem ser evitadas as espécies anuais que impliquem contínua movimentação do solo. Apesar destas restrições, pode-se indicar, em princípio, como as mais adequadas para a associação, o sobre consórcios com eucalipto, no Brasil, por COUTO et al. (1982), a soja comum (Glycine max (L.) Merril) favoreceu o crescimento da espécie florestal, além de proporcionar o ingresso relativo à produção de grãos. Assim, a soja pode ser indicada para consórcios agroflorestais em que se vise à cobertura e ao melhoramento do solo. Suas respostas a tecnologias de alto nível (como corretivos e adubos minerais), bem como, sua eficiência na fixação de nitrogênio, são amplamente conhecidas. Espera-se que estas possibilidades se traduzam em benefícios em associações agroflorestais (SCHREINER, 1988).

Um exemplo de consórcio agroflorestal, dado por SILVA (2004), é o plantio de arroz, utilizando-se a prática do cultivo mínimo e o plantio de soja, no segundo ano, com as correções de solo e adubações necessárias, mantendo-se os cuidados mínimos com a cultura de eucalipto. Colhida a soja, planta-se o capim-braquiária, principalmente a Brachiaria brizantha, como componente forrageiro para o gado. Quando o capim já está estabelecido, solta-se o gado em regime de recria e/ou engorda. O sistema de consórcio silvo-pastoril vai até o décimo ano, quando se procede ao corte da madeira. Após o ciclo completo de colheita, inicia-se novo ciclo, repetindo-se as culturas e os procedimentos, com o aproveitamento da brotação do eucalipto. Para tanto, retira-se o gado da área, colhe-se a madeira e aplica-se herbicida nas entrelinhas para o cultivo do arroz, soja ou outra cultura agronômica.

O desenvolvimento de sistemas agroflorestais vem despertando crescente interesse, graças principalmente aos benefícios de ordem ecológica que, a par dos de ordem econômica, podem oferecer nas regiões tropicais úmidas e nas semi-áridas, como a Amazônia e o Nordeste brasileiro. Entretanto, também nas regiões temperadas, subtropicais ou tropicais subúmidas, de tecnologia relativamente avançada, como o Sul e o Sudeste do Brasil, a aplicação daqueles sistemas pode ser desejável, tanto mais se levarmos em conta o alto grau de ocupação de suas áreas agricultáveis. Nestas condições, projetos agroflorestais em terras hoje ocupadas apenas com florestas ou apenas com lavouras e pastagens, constituem opção cabível e objetiva para se aumentar, simultaneamente, a produção de madeira e de alimentos. No plano microeconômico, beneficia-se o empresário florestal, porque com a receita produzida pelo cultivo intercalar, terá recursos para atender boa parte dos custos de implantação e manutenção inicial de seus povoamentos. O empresário agrícola e o pecuarista, por vez, além de provarem condições ambientais mais propícias para suas lavouras e criações, garantem um suprimento de madeira ou energia, para uso próprio ou para comércio (SCHREINER & BALLONI, 1986).

Assim, com a adoção desse tipo de alternativa agrícola pode-se permitir aos pequenos agricultores maior flexibilidade na comercialização de seus produtos e racionalização da mão-de-obra (SANTOS & PAIVA, 2002). Porém, apesar da crescente conscientização ambiental, da escassez e conseqüente elevação dos preços dos produtos florestais, a maioria dos pequenos e médios produtores rurais ainda desconhecem os benefícios e/ou vantagens comparativas dos plantios florestais (RODIGHERI,1998).

Segundo a VCP (2006), que possui plantios em escala comercial no Rio Grande do Sul, esse inovador modelo de produção, que possibilita ao produtor fomentado diversificar suas fontes de renda, começa a ser adotado por outras empresas que atuam no segmento de produção de celulose e papel em diversas regiões do país.

Bibliografia

ALVIM,M.J; PACIULLO,D.S.C.; CARVALHO,M.M.; AROEIRA,L.J.M.; CARVALHO,L.A.; NOVAES,L.P.; GOMES,A.T.; MIRANDA, J.E.C.; RIBEIRO,A.C.C.L. Glossário. In: Embrapa Gado de Leite, Sistema de Produção, No. 7 Dez/2005. Disponível em: http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Leite/LeiteRecriadeNovilhas/glossario.htm. Acesso em: 19/09/2006

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GONÇALVES,A. Agricultura e floresta: antagonismo ou integração? 04/2002. Disponível em: http://www.centroecologico.org.br/artigo_detalhe.php?id_artigo=6. Acesso em: 25/08/2006

MMA - MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Programa Nacional de Conservação e Uso Sustentável do Bioma Cerrado – Programa Cerrado Sustentável. Brasília, 10/09/ 2004. Disponível em: cerradobrasil.cpac.embrapa.br/prog%20cerrado%20sustent. Acesso em: 25/08/2006

RIBASKI,J. Sistemas agroflorestais. 04/2003. Disponível em: http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/. Acesso em: 25/08/2006

RODIGHERI,H.R. Indicadores ecológicos e socio-econômicos de plantios florestais na região sul do Brasil. Embrapa - Florestas, Colombo, Paraná, 1998. Disponível em: http://gipaf.cnptia.embrapa.br/itens/publ/sober/trab038.pdf. Acesso em: 25/08/2006

RODIGHERI, H.R.; GRAÇA, L.R. Análise econômica comparativa de dois sistemas de cultivo de erva-mate com o de rotação de soja-trigo no sul do Brasil. Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural, 34, 1996.

SANTOS,M. J. C.; PAIVA,S.N. Sistema agroflorestal como alternativa econômica em pequenas propriedades rurais do pontal do Paranapanema: estudo de caso. Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” /Universidade de São Paulo - São Paulo. IV Congresso Brasileiro de Sistemas Agroflorestais. 2002. Ilhéus – BA.

SCHREINER,H.G. Associação de leguminosas com plantio florestais para cobertura e melhoramento do solo. Boletim de Pesquisa Florestal, Colombo, n. 17, p.1-12, dez. 1988.

SCHREINER,H.G.; BALLONI, E.A. Consórcio das culturas de feijão (Phaseolus vulgaris L.) e eucalipto (Eucalyptus grandis W. Hill ex Maiden) no sudeste do Brasil. Boletim de Pesquisa Florestal, Colombo, n. 12, p. 83-104, jun. 1986.

SILVA,J.C. Eucalipto, arroz, soja e carne: uma economia e dieta saudável. Revista da Madeira. n. 86, ano 14, 12/2004.

VCP Gado de corte pastando em meio à plantação de eucalipto: potencializando a exploração da propriedade agrícola. Edição On-line, n. 28, 04/2006. Disponível em: http://www.vcp.com.br/. Acesso em: 25/08/2006


Origem: Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais - www.ipef.br


Giovana Beatriz Theodoro Marto tem experiência na área de Recursos Florestais e Engenharia Florestal, com ênfase em Recursos Florestais e Engenharia Florestal. Graduada em Engenharia Florestal pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" - ESALQ/USP, estagiou durante 3 anos no Laboratório de Química, Celulose e Energia ESALQ/USP com análise e produção de carvão vegetal. Participou durante 2 anos e meio do Grupo Florestal Monte Olimpo GFMO da ESALQ/USP realizando atividades ligadas ao meio ambiente, tecnologia e silvicultura e manejo florestal. Na finlaização do curso de graduação, realizou o projeto de Estágio Vivencial em Engenharia Florestal:"O saber local, as mudanças climáticas globais e a escassez de águas: Estudo de caso na Bacia do Rio Piracicaba Rio das Pedras, SP" sob orientação da Prof.Dr.Sílvia Maria Guerra Molina.


Luiz Ernesto George Barrichelo
possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo (1966) , especialização pela Universidade de São Paulo (1966) e doutorado em Engenharia Florestal pela Universidade de São Paulo (1971) . Tem experiência na área de Recursos Florestais e Engenharia Florestal , com ênfase em Tecnologia e Utilização de Produtos Florestais. Atuando principalmente nos seguintes temas: pinus caribaea, Celulose kraft, qualidade da madeira.


Paulo Henrique Müller da Silva
possui graduação em Engenharia Florestal pela Universidade de São Paulo (2004) e mestrado em Recursos Florestais pela Universidade de São Paulo (2006) . Atualmente é Auxiliar Técnico-Científico do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais. Tem experiência na área de Recursos Florestais e Engenharia Florestal , com ênfase em Silvicultura. Atuando principalmente nos seguintes temas: Crescimento, Nutrição, Ciclagem de nutrientes, Lodo de esgoto.



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

FERNANDES, M.J.B.  Agrossilvicultura. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_3/agrossilvicultura/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 19/08/2010